Julgamento escolar
A minha escola era um barato, lá eu
conseguia viver aventuras chocantes, a galera quando se reunia dava trabalho
para a direção, mas dizem que tudo isso fazia parte do crescimento, aprender
com os erros e descobrir que as conseqüências podiam castigar feio. Sei que não
éramos santos, mas estavam nos pintando como capetas. Tive minha ficha suja
naquele ano, cabulei aulas, me envolvi em brigas alheias, realmente extrapolei
e até assinei o livro negro.
A turma do colégio descobriu a poperô,
dança lagartixa que mesclava todos os ritmos musicais bem rápido. A galera
parecia lagartixa em areia quente por conta dos movimentos. Os manos com calças
boca-de-pizza, baby look, gel no
cabelo ou topete e as minas de cintura baixa, boca-de-pizza e miniblusa,
arrasavam no salão, pois em grupo formavam um misto de black music com discoteca. As outras tribos os odiavam, pois eram
metidos e se achavam os maiorais nos concursos de dança em danceterias como a
Ghost, Reggae Night, New Peoples, Palácio etc... Exemplo disso é quando eram
encontrados, sozinhos ou em pequenos grupos, por punks, clubbers e outros, e
eram obrigados a correr quilômetros, ou se quisessem enfrentar, apanhavam ali
mesmo, por não terem técnicas de briga de rua como as gangues que em vez de
dança treinavam lutas.
Foi um ano de aventuras, catei muitas minas, me enjoei rápido delas,
pareciam todas iguais, que não se importavam com nada, aproveitávamos somente o
momento. Mas ficar com qualquer uma não era legal, quando o dia acabava, eu
ficava pensando em tudo que havia feito, daí vinha o remorso: será que alguma
mina se apaixonou? Não era tão simples se apaixonar, e eu estava procurando uma
mina ponta firme, algo verdadeiro que não fosse passageiro, para começar a
sentir o verdadeiro gosto de um beijo. Longe dos manos ouvirem isso, eles podem
mesmo é me chamar de veado, e não é nenhum Bambi bonitinho da Disney, mas sim,
uma daquelas bichas que desfilam no centro de São Paulo. Quando alguém usa
essas palavras para se justificar, os caras caem matando, e dizem que é desculpa para não catar mina. Já me
apelidaram de coração mole, pode essa? Vai contra a lei dos homens desse mundo.
Dizem que homem que é homem não pensa assim. Dane-se, eu vou ser diferente!
(Ahaha! Grande coisa isso!) A última mina que fiquei era linda, corpo violão e
miniblusa, o umbiguinho que deixava qualquer um louco, os manos pagando pau, e
ela veio para mim, toda sensual pedindo um beijo na boca. Os caras, com a mão
no queixo, só resmungaram tais palavras:
- Vai nessa,
Cassiano, que essa tá no papo!
Fabrício foi o autor da lista Mulher Maravilha daquele ano, onde ficavam
os nomes das minas mais gatas do colégio, e a nota de cada uma. Segundo o
julgamento da rapaziada, elas até se sentiam lisonjeadas. Ruim era quando não
entravam na lista, ou recebiam uma nota cruel.
Veja o que
era julgado:
Beleza,
simpatia, corpo, rosto, perna, bunda, boca, olhos.
Mas eles
também eram cruéis, havia nota para a mais feia, mais antipática, mais
desleixada.
Depois começava a correria para ver quem ficava com mais minas, e a soma
das notas de cada uma decidia o vencedor. O prêmio era mais simbólico que
valioso, geralmente um CD, ou algo do mesmo valor que o cara escolhia. Mas não
tinha jeito, quem ganhava quase todos os anos era mesmo o chavequeiro do
Fabrício. Até que ele tinha presença, mas era metido que só, vivia com o peito
estufado se achando o gostoso, usava um brinco de falso brilhante, o cabelo da
moda raspado com pente número dois, todo arrepiado e com seu topete (coisas que
seu cabelo liso permitia). As minas pagavam pau, e ele não perdoava uma.
Falando em julgamento escolar, lembrei
de um outro fato daquele ano de 1997 que ficou na memória de todos. A turma da
8ª série D ficou famosa no Tenente por ter reunido no mesmo ano os piores alunos
(no quesito bagunça e desordem) daquela série, numa mesma sala. Esse título foi
adquirido por estes alunos após uma carreira promissora desde a quarta série.
Eram eles o Fabiano, o Ratinho, Gilson, Alessandro, Michele, Flávia, Sandrinha,
Luciana, Luis Zeferino e outros que eram menos bagunceiros, mas que juntos completavam
a galera do barulho, como o Luis (Chamavam-no de babão), Edmilson, Cristian,
Nego e a Juliana Vigatti.
Estávamos no meio do ano, e os
professores não agüentavam mais a bronca, não conseguiam domar aquelas feras.
Lembro-me até hoje da professora Marlene, que dava aulas de Biologia. No meio
da aula a Flávia resolveu se estranhar com a Michele, e até cadeiras voaram no
meio da briga, as duas rolaram no chão e o motivo até hoje eu não sei direito,
mas a pobre professora entrou em desespero e tentou apartar a confusão, depois
foi buscar ajuda na Direção. A sala foi ao delírio, afinal briga de mulheres
não deixava de ser um espetáculo. Mas devido a tantas confusões seguidas, os
professores começaram a renunciar às aulas na nossa turma, e a dona Elaine teve
que interceder dando a idéia de um julgamento popular para tirar os alunos que
mais atrapalhavam no rendimento da sala.
As ameaças já começaram assim que o tal julgamento fora anunciado. Cada
aluno seria responsável pelo voto que tiraria esses causadores de confusão, e
todos deveriam dizer isso em voz alta perante os réus (imaginem o medo de
muitos da sala, sabendo quem eram as encrencas e ser obrigados a dizer a
verdade). A Tanícia era a mais covarde, a Flávia havia lhe dito que se votasse
contra ela, receberia o troco na rua. Pobre dela, tão pequena e magrinha, tinha
o apelido de Pulguinha.
O julgamento aconteceu no meio da aula, e o professor Adil foi convidado
para ser o advogado de acusação (a parte ruim é que ele não conhecia a maioria
dos alunos e, portanto, não tinha argumentos verdadeiros contra ninguém, mas
isso não foi avaliado). Advogado para defesa nem foi cogitado, afinal éramos o
mau exemplo da escola. A dona Elaine e a Zezé estavam presentes também. Uma
grande roda foi feita com as cadeiras, a acusação ficou ao centro, e cada aluno
deveria dizer quem gostaria que saísse da sala para a turma melhorar. Antes
disso, o professor Adil rasgou o verbo e falou mal da sala, do quanto éramos
mal-educados, sem responsabilidades, e não tínhamos senso do ridículo por agir
como crianças de primário. (Muitos ali não mereciam ouvir tais palavras, mas
isso também não foi avaliado.) O medo de todos estava presente em cada olhar.
Falar mal do colega não era uma boa, significava comprar uma briga feia, e
talvez o ódio eterno desse que fosse expulso. E isso era totalmente
desnecessário, pois todos sabiam quem eram os causadores, não precisava jogar
essa responsabilidade para gente.
Sinceramente falando, nem acho que éramos tão ruins assim. Era uma turma
mais animada (isso não tenho dúvida), que dava muitas opiniões, falava
demais... Arranjava briga com facilidade e não perdoava os professores mesmo,
tirando sarro, brincando, e saindo sem autorização (risos) acho que os últimos
itens foram responsáveis por essa decisão.
Após a votação e a sentença, anunciaram a transferência do Fabiano, da
Michele e do Gilson, um para cada sala, assim a turma perderia alguns líderes,
e talvez acalmasse a sala. Caso não fosse o suficiente, um novo julgamento
aconteceria.
Biano saiu revoltado, Michele fez cara
feia, e o Gilson disse que pegaria na porrada algumas pessoas que votaram nele,
mas ao menos nenhum deles foi expulso da escola.
Fim do julgamento.